quarta-feira, 20 de maio de 2009

"Há um outro eu em cada um de nós que pode ser melhor ou pior quando estamos com pessoas. Quando somos pequenos, os nossos pais avisam-nos disso e apertando-nos os cordões, ajeitando-nos o cabelo, vão-nos preparando para o que aí vem: " olha que tens que te portar bem, que hoje vamos ter visitas!". E posto isto, arrumávamos o quarto, fazíamos os deveres e vestíamos a nossa melhor roupa, na esperança que a filha do casal tivesse a nossa idade e gostasse de jogar ao quarto escuro. Mas disto não falo agora. Falo sim, da transformação das pessoas quando estão juntas e quando se separam. Mais do que isto. Falo da transformação das pessoas quando estão com os outros e quando estão connosco.É uma diferença grande que se acentua quando nós a presenciamos. E nessas alturas, ficamos com vontade que aquelas pessoas fossem sempre assim, tão amáveis, prestáveis, alegres, contadoras de histórias, solidárias, interessadas em tudo aquilo que dizemos, que fazemos, disponíveis em absoluto para o que for necessário, a tudo dispostas para melhorar o nosso dia.Quando estamos com outros pessoas, só queremos mostrar o bom que temos, como se fossemos um daqueles feirantes de microfone de lapela a vender qualidades em cima de um camião de caixa aberta: Olhem como sou generoso! Quem quer comprar? Olhem que engraçado que sou! Quem dá mais? Olhem que habilidades eu faço. Quem me quer? Daí que eu defenda que devíamos viver, como se passássemos a vida a ser visitados por pessoas a quem deveríamos dar o melhor de nós, isto é, exactamente aos que vivem connosco. A ideia é revolucionária – bem sei - mas não tenho dúvidas que serei recordado depois disto, como o Lévi-Strauss português e todos me aplaudirão à minha passagem. E assim, a partir de hoje, de cada vez que alguém dos nossos chegar a casa vindo do trabalho, haverá confetis e serpentinas pelo ar e bolinhos de bacalhau e croquetes na mesa. Haverá música, haverá vinho nos copos e a festa será tanta, que todos seguirão o nosso exemplo e todos perceberão cada festa da vizinhança, do mesmo modo que usualmente entendemos o ranger das camas em cima do nosso quarto. E assim, quando a meio da tarde, percebermos que no segundo esquerdo do nosso prédio, por ali vai uma celebração muito semelhante às imortais noites da Motown, é quase certo que deve ter chegado o filho da escola, ou a mãe do emprego, ou o pai da vizinha da frente.(...)"

Fernando Alvim

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