"Voltamos ao início, ando fixado nesta coisa e não me custa iniciar. Custa-me é acabar. Iniciar é um instantinho, duas de conversa, o encanto da descoberta, a primeira vez de tudo, todas as coisas são maravilhosas e o mundo é azul e aqui o temos. Agora acabar? Acabar é outra coisa. Acabar arrasta-se, o início não. Não há inicio nenhum que se arraste, quando muito, as negociações que levam a que algo principie podem levar algum tempo, mas o inicio em si não se arrasta. Começa e pronto. E não há acabar e pronto.Já acabei algumas vezes e já acabaram comigo outras tantas. Não é uma coisa que me orgulhe - não é - mas aqui admito que o que me acontece é o mesmo que frequentemente sinto quando necessito de dar condolências a alguém: não sei o que dizer. Sinto muito, fico triste por isso, mas tudo o que eu posso fazer é, por mais que eu não queira, dar-lhe um abraço sem dizer nada. O que se diz a alguém que acabou de perder um parente muito próximo? Sinto muito, é isso? As minhas condolências? Era um bom homem e que Deus o guarde? Não creio. Tudo tresanda a frases feitas, como as sms repetidas no Natal e de aniversário.Com os relacionamentos, a situação agrava-se porque não se pode acabar com um abraço, embora isso pareça muito bonito. Até porque já ninguém acredita naquela coisa do “ Não foste tu, fui eu! ,sendo quase certo que deve haver ali alguém no meio , embora não seja fácil admiti-lo. Ninguém gosta de saber que há uma outra pessoa. É melhor percebermos que algo se esgotou por si só, sem a ajuda de ninguém. Mas o problema, é que quando algo começa a esgotar-se, muitas das vezes torna possível a entrada desse alguém. E esse alguém é o início do fim.E assim sendo, resta-nos comunicar isso mesmo e aqui é que começam os trabalhos . Vamos cá ver, segundo as normas instituídas, pelo livro, devemos convocar um encontro com a outra pessoa e pessoalmente, olhos olhos, dizer que tudo - e peço desculpa que vou ali buscar um copo de água - que tudo acabou. Quem está a ler isto, dirá: É assim mesmo, isso é ser um homenzinho!!” Está bem, eu compreendo. Mas também é preciso ter uma grande frieza, diria que quase germânica, para dizer a uma pessoa de quem já gostamos tanto e que, possivelmente ainda gosta de nós, que nós já não gostamos dela. Ainda por cima por cima à frente dela.E assim, se por um qualquer motivo não o conseguimos e escrevemos ou telefonamos a comunicar, é certinho que nos irão dizer: Nem foste capaz de me dizer isso na cara! Como se isso fosse uma coisa má e um acto tremendamente cobarde.Pois bem, eu acho o contrário. E se puder evitar ter uma pessoa triste à minha frente e fazê-la chorar, se puder evitar os elogios de conveniência e a discussão do costume, se puder evitar levar com uma garrafa de vidro ou um tiro no pé, se puder evitá-lo, então faço-o. Porque o fim em si, é absolutamente inevitável..."
"Já nada dura para sempre, nem o amor como sempre me ensinaram. Até o amor se tornou descartável . Até o amor farta, cansa, entendia, como aqueles amantes que fartaram de se amar tanto, tanto. Tudo acaba e as histórias de amor deixaram de ter só um inicio, um principio que nunca se lhes acabaria. As melhores histórias de amor são as que nunca acabam, como naqueles filmes em que não existe um fim explicito, em que espectador constrói o final que deseja, o final que lhe parece mais adequado. O amor deixou de ser um filme destes e passou a ter um argumento igual a tudo, com principio, meio e fim. Os mais velhos dizem que as novas gerações não têm princípios, mas isso é de longe, o que agora mais há. Nos dias actuais, há mais princípios do que nunca, mas também há mais finais .E isso é que preocupa. As gerações anteriores nunca experimentaram tantos finais como esta, mas as coisas, dantes, também não acabavam tão depressa. Duravam mais. Uma semana tinha mais que 7 dias, havia semanas que chegavam a durar um mês e tardes - que aqui vos juro - chegavam a durar 3 dias. E quando uma coisa parecia acabar, chamava-se alguém para a arranjar e dar-lhe uma nova vida.Hoje em dia, substitui-se, já não se arranja. A máquina de lavar avaria-se, compra-se uma nova. A empresa vai à falência, abre-se uma outra. A relação entre os dois piora, muda-se para uma nova. Acabou-se a paciência, acabaram-se os arranjadores que romanticamente arranjavam, para os substituídores que maquinalmente os substituem. Lembro-me bem de ver anúncios de arranjos em que anunciava em letras grandes: Arranja-se tudo!. Em relação a substituídores, não me recordo de alguma vez ter visto " Substitui-se tudo!" . A vantagem dos arranjadores sobre os substituidores é de tal modo, que as próprios expressões dão vantagem aos primeiros. É disso exemplo a mítica expressão: " Mas que belo arranjo!" que com sinceridade não existe para quem substitui. Porque não pode.Arranjar o que quer que seja, implica resistência ao fim. Enquanto substituir, é a sua absoluta aceitação. Substituir é aceitar o fim, sem pestanejar. Arranjar é espernear furiosamente para poder vir à tona da água . E salvar-se. Substituir é pouco mais do que isso, mas arranjar não se esgota porque precisamente se arranja, desde o emprego para a prima, uns trocos para sair à noite, a máquina de lavar que de novo avariou. Daí que se um dia me perguntarem o que eu sou, direi o que agora sabem: Que não sou mais do que um mero arranjador"
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