"Queria escrever qualquer coisa, mas só me sai que te adoro. Queria opinar sobre a economia e os sintomas de retoma, o perfil dos novos ministros e a impunidade judicial, mas só me sai que te adoro. Discorrer sobre a inconstância do tempo, sobre o estio que rasgou o Outono, as últimas alterações à lei, o banqueiro constituído arguido, a mediocridade nacional, a decadência do ensino, a propagação da Gripe A, mas só me sai que te adoro. Queria descrever com precisão as saudades que tenho da terra, de palmilhar a lezíria e de sentir ao longe o rumor dos animais. Queria à falta de melhor falar sobre as últimas do desporto, das hipóteses rasas da selecção, da nova série da fox e da pinderiquice dos ídolos; e alertar os incautos para os desencontros que desaguam em silêncios e que cortam vidas ao meio, mas só me sai que te adoro. Queria fazer piadas, armar-me em esperta, soltar citações a propósito e observações espirituosas, suscitar sorrisos cúmplices e respostas aduladoras; e dizer-te que afinal te detesto, que pensando bem te desprezo, que nunca foste nem serás; concluir, enfim, sobre a impossibilidade de sermos um só. Mas só me sai que te adoro."
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