sábado, 27 de fevereiro de 2010

COISAS QUE ME OCORREM...


"(...)para uma relação amorosa resultar é necessária a combinação de três factores, aparentemente óbvios, mas que na prática se tornam difíceis de reunir. O primeiro passa por duas pessoas gostarem uma da outra em todos os sentidos em que o verbo se pode conjugar. Gostar como amar, como desejar, como proteger, como respeitar. Depois, é preciso que se entendam. O entendimento pode ser natural, tácito ou treinado, mas tem de existir. Duas pessoas que até se amam apaixonadamente, se não se entenderem, não chegam a lado nenhum. E por fim, de preferência, que sejam do mesmo género. Que tenham afinidades suficientes para que não precisem de estar sempre em briefing. É quando sentimos que estamos a jogar em casa e tudo se encaixa naturalmente, mesmo na fase embrionária, cristalizada para sempre nos momentos em que entramos em identificação com o outro. Coisas tão triviais como falar a mesma língua, ter lido os mesmos livros, ouvir a mesma música, seguir o mesmo lifestyle, pertencer à mesma teia social, pegar nos talheres da mesma maneira, ter a mesma lista de palavras proibidas.

Ser pena do mesmo pato é algo quase inato, que tem mais a ver com a forma como somos educados do que com o que ainda conseguimos aprender. Faz parte do nosso património social, essa soma complexa e nem sempre perceptível de entender de valores, convenções, referências e hábitos que fizeram de nós a pessoa que somos e não outra. Podemos ser suficientemente fortes para desafiar o destino, mas não é só o destino – ou o que fazemos dele – que nos molda: é tudo o que bebemos e aprendemos em pequenos e que interiorizamos como padrão, como certo ou errado, porque, quer queiramos quer não, isso já é parte integrante de nós. E não é uma questão de snobismo, é uma questão de bom senso. Se eu sei que me incomoda um homem que ponha o cotovelo em cima da mesa quando come e que se descalce durante o jantar, nem sequer ponho a hipótese de me envolver emocionalmente com ele, ainda que seja igual ao George Clooney; é que já sei que não vou aguentar, tão simples quanto isto. Da mesma forma que nunca irei tolerar comportamentos misóginos e práticas promíscuas porque o que bebi em casa sempre foi o respeito pelo casamento e pelo sexo oposto. Ou alguém que viva de expedientes, porque a educação espartana que recebi não me permite considerar para meu par alguém que não valorize o trabalho.

Prefiro um homem que me dê o braço ou a mão, que fale baixo e me ajude a vestir o casaco, que não teça comentários deselegantes sobre outras mulheres, que me chame querida em vez de amor. E que quando vai a casa dos meus pais, se sinta também ele em casa, e não um elefante numa loja de loiças."

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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

As "regras" do amor

“A amizade é o amor sem preço nem prazo de validade. Amamos os nossos amigos sem que os seus defeitos nos afectem. Perdoamos fraquezas, ausências e silêncios, relevamos deslizes e esquecimentos, não exigimos deles mais do que o que já sabemos que nos podem dar. A minha melhor amiga quase nunca atende o telefone, sei que é assim, conto com isso quando preciso de falar com ela. Se for mesmo importante, mando-lhe um sms e ela liga-me logo a seguir. Os amigos são isto: deles aceitamos quase tudo, estamos sempre prontos para os ajudar e damos-lhe quase sempre razão. Sabemos ouvi-los, intuímos quando estão mal, gastamos o nosso tempo a encontrar soluções que os ajudem. Os problemas dos nossos amigos ganham por vezes proporções tão grandes para eles como para nós, que não descansamos enquanto eles não ultrapassarem as suas crises.
Se sabemos ser tão bons amigos, porque é que tantas vezes não conseguimos fazer o mesmo com o outro, com a pessoa que vive connosco ou com quem partilhamos a nossa vida? Por que é que o amor é tão mais exigente, tão mais egoísta, tão mais inflexível, tão menos generoso? Por que é que o amor incondicional que acreditamos sentir pelo outro se vai transformando numa soma de compromissos, e do dar tudo por tudo passamos para dar na medida daquilo que recebemos, ou dar para depois cobrar?
Talvez o amor real se resuma a este perpétuo exercício de humildade que é dar e receber, com conta, peso e medida, tentando não cair na tentação de cobrar. Os cobradores de amor são ainda mais sinistros do que os cobradores de impostos. Quem está sempre a cobrar não conhece as regras básicas do jogo amoroso. Mais importante do que falar, é agir. Mais eficaz do que explicar, é dar o exemplo. E mais interessante do que repetir sempre as mesmas queixas, é escrevê-las e pendurá-las na parede. Já dizia a Yourcenar: «A palavra escrita ensinou-me a ouvir a voz humana». As pessoas ouvem as mesmas coisas melhor se forem ditas por outras pessoas ou escritas.
O amor real, o que não alimenta nem a música nem a literatura mas que nos alimenta todos os dias, é um contínuo treino de qualificação. É preciso parar para pensar e pensar antes de agir, de protestar, de cobrar. Sem empatia, é impossível construir o amor. A empatia é a capacidade de perceber o que o outro sente, o que o outro quer, o que o outro precisa, sem impor o que acreditamos ser o melhor para ele. Amar alguém é como dar a mão, mas sem forçar; às vezes é preciso puxar para cima, outras vezes é melhor largar e deixar que o outro siga por onde quer, mesmo sabendo que ele se vai enganar e voltar atrás.
Amar é sempre uma forma de exercer poder, da mesma forma que ser amado é aceitar que o poder do amor que o outro tem por nós paire sobre a nossa cabeça, por vezes sob a forma de um manto protector, outras sob a forma de uma espada, porque quem nos ama é porque já nos projectou no seu espírito, quem nos ama quer sempre que sejamos mais e melhor do que somos, quem nos ama quer sempre moldar-nos ao seu desejo ou à sua imagem e semelhança.
Amar é um jogo de sentidos e de poderes, é preciso ser humilde e generoso para o ganhar, todos os dias um bocadinho, com esforço e entendimento, sem medo de falhar. Se assim for, ninguém perde e ganham os dois."

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