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Se sabemos ser tão bons amigos, porque é que tantas vezes não conseguimos fazer o mesmo com o outro, com a pessoa que vive connosco ou com quem partilhamos a nossa vida? Por que é que o amor é tão mais exigente, tão mais egoísta, tão mais inflexível, tão menos generoso? Por que é que o amor incondicional que acreditamos sentir pelo outro se vai transformando numa soma de compromissos, e do dar tudo por tudo passamos para dar na medida daquilo que recebemos, ou dar para depois cobrar?
Talvez o amor real se resuma a este perpétuo exercício de humildade que é dar e receber, com conta, peso e medida, tentando não cair na tentação de cobrar. Os cobradores de amor são ainda mais sinistros do que os cobradores de impostos. Quem está sempre a cobrar não conhece as regras básicas do jogo amoroso. Mais importante do que falar, é agir. Mais eficaz do que explicar, é dar o exemplo. E mais interessante do que repetir sempre as mesmas queixas, é escrevê-las e pendurá-las na parede. Já dizia a Yourcenar: «A palavra escrita ensinou-me a ouvir a voz humana». As pessoas ouvem as mesmas coisas melhor se forem ditas por outras pessoas ou escritas.
O amor real, o que não alimenta nem a música nem a literatura mas que nos alimenta todos os dias, é um contínuo treino de qualificação. É preciso parar para pensar e pensar antes de agir, de protestar, de cobrar. Sem empatia, é impossível construir o amor. A empatia é a capacidade de perceber o que o outro sente, o que o outro quer, o que o outro precisa, sem impor o que acreditamos ser o melhor para ele. Amar alguém é como dar a mão, mas sem forçar; às vezes é preciso puxar para cima, outras vezes é melhor largar e deixar que o outro siga por onde quer, mesmo sabendo que ele se vai enganar e voltar atrás.
Amar é sempre uma forma de exercer poder, da mesma forma que ser amado é aceitar que o poder do amor que o outro tem por nós paire sobre a nossa cabeça, por vezes sob a forma de um manto protector, outras sob a forma de uma espada, porque quem nos ama é porque já nos projectou no seu espírito, quem nos ama quer sempre que sejamos mais e melhor do que somos, quem nos ama quer sempre moldar-nos ao seu desejo ou à sua imagem e semelhança.
Amar é um jogo de sentidos e de poderes, é preciso ser humilde e generoso para o ganhar, todos os dias um bocadinho, com esforço e entendimento, sem medo de falhar. Se assim for, ninguém perde e ganham os dois."
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