domingo, 31 de maio de 2009

O AMOR visto por Fernando Alvim

"Chegou o verão e as pessoas falam mais sobre o amor. Os corpos estão mais descobertos – é certo - mas a alma também usa saia curta. E anda tudo a queixar-se do mesmo, que não há mulheres de jeito, que não há homens de jeito, que só nós é que somos perfeitos. Que pena não nos podermos casar connosco e dizer o nosso nome duas vezes na igreja. Declararem-nos marido e mulher num só e à frente de todos, na altura em que usualmente se diz " Pode beijar a noiva!" , nós com grande destreza física, beijaríamos os nossos braços, as nossas mãos, o nosso peito. Que pena não nos podermos beijar a nós próprios e não conseguirmos também aqui ser independentes. O único consolo, é sabermos que não há contorcionista que o consiga, por mais que se esforce e se dobre. O que nos leva a concluir que um beijo destes – dos que agora falamos - tem que ser a dois. O que obviamente é uma chatice.
Anda tudo a queixar-se do que poderia ter sido, quando em muitas das vezes pode ser ainda. Escreve-se demasiado. Fala-se demasiado e faz-se pouco pelo amor. Os grandes romancistas sabem exactamente do que falo. E não deve ser por acaso, que na sua grande maioria – sobretudo os melhores – foram pessoas que não se safavam nada bem neste domínio. Veja-se por exemplo o Pessoa, as cartas a Ophelia são muito bonitas sim, mas se em vez de escrever tanto a expressar o quanto gostava de estar com ela, estivesse de facto com ela, as coisas teriam sido muito diferentes. Ou então não, já nem sei. O amor pode ser uma coisa muito desgastante, tal como quando partimos para uma longa caminhada, em plena uma da tarde de um verão quente, e percebemos que as sapatilhas vão cedendo ao asfalto que escalda.
O amor é como uma qualquer refeição: se estiver demasiado ao lume, pode queimar-se. Daí que quando se parta para uma coisa destas, se use inicialmente o lume em valores muito próximos do máximo e depois, em quase todas as receitas, se aconselhe a colocar em lume brando. Embora eu não concorde, eu sei que é assim. Daí que muitas das relações se salvem por isto, por na verdade, terem percebido que não podiam estar sempre submetidas a altas temperaturas. E assim, se safam. Ou se adiam. De tal modo que com o tempo, depois do lume brando, há relações que se encontram a alourar, que é – como toda a gente sabe – o que lhe dá o verdadeiro gosto, o sabor que só o tempo sabemos poder dar. Mas há quem não o faça e normalmente esturrique o amor. Precisamente, porque não lhe terá sentido o cheiro a queimado."

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