“Parvos, andamos parvos (já ninguém nos aguenta). Esfregamos a felicidade na cara dos outros, esborratamo-los de impaciência, piedade e escárnio. Ele é meu querido para aqui meu amor pracoli e todos à nossa volta esbracejam e se afogam neste mar delicodoce, como se uma novela brasileira em que elas são fáceis e dengosas, ou como se um casalinho da Rinchoa que se abraça aos solavancos na carruagem da linha de Sintra, ela pra mais um dia de nariz enfiado nos calos das doutoras e ele, sem ocupação definida, mas acompanhando-a com esmero à porta do cabeleireiro, onde por fim e a custo a desenlaça. Amor, meu amor, bebé, minha princesa, e as pessoas à volta riem baixinho, que falta de senso, de decoro, a bem dizer já não são miúdos, pais de filhos ainda por cima, e nós aos beijos, melosos, molhados, babados, as línguas expostas que se enroscam desabridas, temos pena se têm nojo, se sentem inveja ou pudor (já ninguém nos atura). Alegres e amantíssimos, lastramos o carnaval pelos lugares por onde passamos e desfiamos um ror de carinho imenso, nas ruas, nos restaurantes, na cama, estarrecidos, aparvalhados com isto que nos aconteceu, quem sou eu que já não sou eu? Para onde foi o que me amargava os dias, já agora deixa-me ver se se esconde entre as tuas pernas ou no fim das tuas costas. Somos sem os demais e sem-vergonha, ignoramos quem nos interpela e fitamo-nos aparvalhados, desconfiados e à espreita: o que me dizem hoje os teus olhos que ontem não me disseram? (já ninguém pode connosco). Andamos de mãos dadas, prerrogativa de crianças e velhos, com dedos que se esfregam e apertam, não vá a gente perder-se, afastados por meio metro. Ou então abraçados, agarrados como lapas, tu a cobrires-me com os braços, os ombros, contigo todo, como se a monção estivesse pra vir e me fosse levar, para lá do pontão, para além do mar. Fazemos um grupinho à parte, desdizendo-os e mal-dizendo-os, a minha mão em concha na tua orelha e a minha boca escondida, que tanto te lambe o after-shave como arrasa as personalidades presentes, aquela ali é mesmo parva, não é? e aquele? um imbecil! (já ninguém nos suporta). Enjoativos e incómodos, num deleite infantil, respondemos torto e a más horas e achamo-nos o máximo, ancorando-nos na protecção do outro. Somos bons, somos os melhores, e estamos plenamente concentrados na arrogância superlativa do Amor, com tudo o que esta traz de kitsch, de excessivo, de deselegante. Respiramos um outro oxigénio, digerimos de maneira diferente, os nossos ossos têm diversa composição, a nossa pele desenvolve uma textura única e os nossos cabelos fomentam toques subversivos, revolucionários, invisíveis ao olho humano. O mundo é o nosso recreio (já ninguém nos convida para as festas).”
In http://umamoratrevido.blogspot.com
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