"A diferença entre ter sexo e saber fazê-lo é mais ou menos a mesma entre apanhar o metro do Intendente para o Rossio e atravessar o Atlântico num voo de longo curso em classe executiva. O sexo pelo sexo resume-se a uma função básica que se cumpre em poucos minutos. O sexo elaborado é outra coisa; é como entrar numa nave espacial, ultrapassar a velocidade da luz e pairar indefinidamente pelo cosmos.
Nem tudo o que dá trabalho também dá prazer e nem tudo o que dá prazer tem de dar trabalho, mas com o sexo, sem um não existe o outro. Para ser bem feito, requer tempo, devoção, técnica, talento e inspiração. Não é para despachar, é para cultivar. Não é para ir a correr, é para fazer devagar. E não é para quem quer receber, mas para quem sabe dar.
Uma amiga minha chama à prática cuidada e actos de prazer exercícios de amor. Dois corpos, mil gestos, um todo. Se o tempo pára mesmo ou os ponteiros invertem o seu sentido, isso nunca vi. Mas acredito, proclamo, professo e subscrevo que na cama, como em tantas outras coisas, o óptimo é inimigo do bom e quem já experimentou seda só volta ao algodão se não tiver outro remédio. Seda é seda. Tão bom como seda só veludo cristal. E o bom sexo tem esse toque, essa magia, esse je ne sais quoi de perfeição que a pele nunca esquece. Ainda que o desejo hiberne, a memória das células está lá, pronta para ser acordada ao primeiro gesto. E são muitas células a chamar para o mesmo lado.
O Bolero de Ravel não é das minhas peças sinfónicas preferidas, mas a sua arquitectura musical agrada-me: a mesma melodia vai sendo repetida languidamente à medida que cada instrumento entra na dança. O início é suave, pianíssimo, como uma canção de embalar, desenvolvendo-se em crescendo, até ao clímax, com a orquestra inteira em toda a sua pujança, terminando em fortíssimo. Em termos musicais chama--se um desenvolvimento amplificador.
O sexo bem executado pode ser isto, uma sucessão de pequenos gestos serenos e sincopados que vão formando um todo cada vez mais forte, cada vez mais intenso, cada vez mais belo. Não interessa tanto o que se faz, mas a maneira como se faz. O que prevalece não é o objectivo, mas tudo o que foi feito para o alcançar. Não há um fim, apenas uma pausa, porque nunca se fez tudo, ainda que o corpo sinta que foi muito longe, para lá da velocidade da luz, algures entre o Olimpo e o Nirvana, o ponto mais alto da meditação que dissolve o ego, no qual o ser consegue abandonar a solidão individual para se abandonar à entrega total.
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